Bolinha é um sujeito sossegado.
Embora ele seja um sujeito trabalhador e “pau para toda obra”, desprezou sua própria família para viver e lutar os sonhos dos outros, com unhas e dentes.
Bolinha recebe por ano, em média, ¥ 3.300.000.
Ele é dizimista fiel. Já faz treze anos. Dá, em média, ¥ 330.000/ano só de dízimo.
Começou a ser dizimista por indução, depois de lhe passarem constantemente a ideia errônea de que “a prosperidade financeira vem pela fidelidade no dízimo e pelo trabalho prestado ao ministério”.
Bolinha também dá ofertas especiais (impositivas) – dessas que os pastores costumam propor e não tem como escapar por causa do constrangimento que o grupo impõem –, no mínimo uns ¥ 10.000/mês.
Ele parou para pensar e viu que durante esses 13 anos, deu no mínimo ¥ 5.850.000, só do salário dele, sem contar a renda familiar total.
Lembrou-se que sempre lhe diziam que “quem é fiel no dízimo, terá prosperidade, no mínimo duas vezes mais.”
Parou para pensar e concluiu que deveria ter, então, no mínimo ¥ 11.700.000 de patrimônio ou reserva financeira.
Mas ao contrário disso, tinha zero de patrimônio, nenhuma reserva financeira. Tinha um trabalho comum, via empreiteira, um financiamento de casa para pagar, como qualquer pessoa que financia um imóvel, prestação de carro e de outros bens não duráveis para pagar mensalmente. Enfim, uma vida financeira nada excepcional. Pelo contrário, até com certas privações.
Bolinha percebeu que tem uma vida comum. (E o pior, rodeado de gente dissimulada, que a qualquer hora pode mudar em relação a ele, desprezando-o, ignorando-o, e se bobear, açoitando-o também).
Além disso, percebeu que sua família já tinha sido desfeita por causa do trabalho dedicado ao ministério que a tanto serviu.
Bolinha, então, resolveu estudar a Bíblia por conta própria, coisa que não fazia há muito tempo, apesar de estar numa suposta igreja.
Ao estudar o livro sagrado, ele constatou que a prosperidade vem, dentre outras coisas, basicamente por: honrar pai e mãe, sendo solicito nas necessidades destes; ser diligente no trabalho; ter um coração voltado aos filhos e família; e que quem despreza sua própria família se faz pior do que o infiel, mesmo sendo fiel no dízimo e aos homens.
Bolinha constatou que vive um engano. Constou também que dedicou anos de sua vida, sacrificou seu casamento e educação das filhas em nome de uma causa que, apesar de ter o nome de Deus envolvido, nada tem a ver com a verdadeira vontade de Deus.
Ele tomou um choque ao verificar que seu comportamento e pensamento fora conduzido a servir um grupo de pessoas e a desprezar aqueles que, pela vontade de Deus, deveriam ser sua verdadeira prioridade, ou seja, esposa e filhas.
Mas Bolinha tem muito medo de sair desse engano e ter a vida destruída, de perder emprego, de ficar doente, de acontecer algo com os filhos, de não saber fazer nada fora da “caixa” onde se acostumou a viver.
Vai levando a vida desse jeito, como serviçal e peça nessa pirâmide. Apesar de ter constatado tudo isso, é incapaz de tomar uma atitude em relação, fica totalmente inerte, com medo.
Então, o escape que ele encontrou para tentar aplacar essa frustração, a de olhar para trás e ver que a vida de sua família fora desfeita, de tentar se auto-anestesiar para não lidar com a realidade, foi sair postando nas redes sociais # hashtags # “sou feliz”, “minha vida mudou” e blá blá blá.
Tentando vender uma felicidade que lhe custa caro, e muito caro.
Bolinha me faz entender a letra da música ‘Admirável Gado Novo’, do compositor brasileiro Zé Ramalho, que diz assim:
“Vocês que fazem parte dessa massa
Que passa nos projetos do futuro
É duro tanto ter que caminhar
E dar muito mais do que receber
E ter que demonstrar sua coragem
À margem do que possa parecer
E ver que toda essa engrenagem
Já sente a ferrugem lhe comer
Êh, ô, ô, vida de gado
Povo marcado
Êh, povo feliz!”
É… Bolinha vive uma vida de gado, marcado e “feliz”.
By Connexion.tokyo Team