A saga da mãe de Kuwana continua…
Enquanto não há posicionamento concreto sobre o caso, só nos resta catar informações aqui e ali nas redes sociais, no perfil da mãe e no relato fornecido pela mídia local, a brasileira, é claro.
E como não há informação nova, além das que, volta e meia, surgem como “novas”, vamos daqui seguindo a “saga da mãe de Kuwana” e fazendo nossas conjecturas sobre o caso. E não me venham com essa conversinha de que “ah, não podemos julgar” que aqui ninguém pretende lançar julgamento nem condenação, senão conjecturas acerca do assunto.
Li num comentários das redes sociais — locus dos “entendidos” — que “com certeza o Jidou Soudansho não recolheu o menino à toa!”. Nossa! Que bom que tem gente que pensa assim. Ufa! Já estava achando que o responsável pela diligência tinha acordado de mau humor, foi para o escritório trabalhar, chegando lá pediu a uma secretaria para abrir o mapa da cidade de Kuwana que ele iria jogar um dardo, e onde acertasse eles iriam no local para pegar a primeira criança… Mas bom que surgiu mentes iluminadas nas redes sociais para nos revelar que o órgão não agiu “à toa”.
Mas é evidente que não! Não sei como o sujeito perde tempo para escrever o óbvio num comentário. O departamento foi até o local com apoio policial por causa de uma denúncia. E como não sabemos o teor dessa denúncia, é sobre ela que vamos conjecturar.
Mas antes, permitam-me abrir um parênteses para me dirigir a algumas mentes pequenas, a alguns impotentizinhos existenciais, alguns que já foram formatados pelo sistema, enquadrados a pensar como manada, a saber: os que tecem opiniões do tipo: “a mulher veio ao Japão para trabalhar ou para ter filhos? O loko, quatro filhos!”.
A mulher não depende de marido, do estado, tampouco de você que tem este tipo de pensamento.
Aproveitando esse contexto da mãe de Kuwana, façamos, então, nossa conjectura…
Bem, a ordenação do “cosmos” japonês, e do “cosmos” na cabeça de muita gente, estabelece que, para ser “alguém na vida” neste Japão, o sujeito ou, no caso, a sujeita deve iniciar sua vida normal frequentando creche japonesa desde pequeno, passando pelo shougakko, chuogakko, ingressando num bom kookkoo e conseguir entrar numa universidade japonesa. Se for homem, o indivíduo deve conseguir um bom emprego de shain, casar, financiar sua casa própria, ter filhos e patrocinar a reprodução do mesmo processo trilhado por ele na vida dos filhos. Se for mulher, depois de formada em universidade e, em seguida, ter arrumado um bom emprego, ao casar deve deixar sua vida de independência e se dedicar à casa, marido e filhos; também se esforçando para que os filhos estejam bem orientados a seguir o processo trilhado pelos pais. E dentro dessa “ordenação cósmica”, não adianta o sujeito deixar para cursar uma universidade depois dos trinta ou quarenta anos, isto é impensável.
Assim é a ordenação do “cosmos japonês”, tudo no seu devido tempo, no seu devido lugar, ocupando e exercendo a sua função numa perfeita ordenação… Ou quase perfeita. Os suicídios evidenciam a imperfeição ou a agressão que o indivíduo sofre ao não se enquadrar no esquema.
O Japão tem um sociedade coletivista, que presa por essa ordenação das coisas. Requer-se, assim, que os indivíduos estejam em harmonia com a ideologia coletiva, com o modo de vida como processo e etapas pré-determinadas e planejadas; e é só se enquadrando no ideal coletivo que o indivíduo tem seus sentimentos, vivências e aspirações respeitadas. Pois, é necessário que a pessoa pense e sinta, almeje, aja, ame, viva em harmonia com o que é estabelecido pelo sistema. E tudo o que não se enquadre no ordenamento coletivista da sociedade japonesa, se não estiver no padrão é desimportante ou doente; restando à pessoa ser estigmatizada para o resto da vida.
A princípio, a mãe de Kuwana não se enquadrou no “perfeito ordenamento”. Ora, onde já se viu uma mulher, mãe de quarto filhos conseguir se sustentar e manter a casa e os filhos sem depender de marido, de governo, de seikatsu hogo, de ajuda para mãe solteira, de esmolas? E ainda: onde já se viu uma mulher com tudo isso conseguir dar um bom padrão de vida aos filhos, morar bem, sem depender de ir morar em conjuntos habitacionais do governo? Nooooossaaaa! Isto é de incomodar muita gente!
Fiz um teste. Perguntei a um japonês na empresa onde trabalho:
Conheci a história de uma mulher, de 30 anos mais ou menos, mãe solteira de 4 filhos e que não precisa de nenhum tipo de ajuda, seja do pai das crianças ou das ajudas governamentais (não mencionei o problema que ela está passando), pois ela tem uma boa renda; com o que você acha que ele trabalha?
Ele respondeu: trabalha na noite, em sunako. A mesma resposta que um brasileiro que ainda não estava a par do caso me falou.
Quem sabe esta mulher também já não fora estigmatizada na localidade onde mora; por mães de colegas dos seus filhos, que frustradas existencialmente, ficaram incomodadas ao verem a mãe brasileira não dependendo de ninguém além do seu próprio trabalho, enquanto elas tiveram de ficar a serviço do lar, cuidando dos filhos e indo buscar marido “cozido de sakê” em sunako.
E é bem provável que este estigma de ‘mulher independente e mãe solteira’ tenha contaminado a opinião daqueles que propuseram e formalizaram a denúncia, mesmo sendo funcionários de escola. Ou vocês acreditam que instituições humanas não são passíveis de falhas em seus julgamentos? Ou acham que instituições de países de primeiro mundo estão isentas de serem locais de intrigas, disputas ou de legitimar a força e o poder de uns sobre os outros? Não sejais ingênuos.
Quanto ao órgão responsável pela diligência, o Jidou Soudansho, pelo que consta, agiu conforme o estabelecido em lei; tem prerrogativa para recolher crianças sem a anuência prévia dos responsáveis e mantê-las sob custódia para averiguações, desde que sejam mediante denúncias, basta uma única que não seja anônima. Não estamos a criticar o trabalho do órgão. É apenas um executor das normas. Estamos, sim, ponderando sobre os possíveis estigmas que provavelmente podem influenciar o ato de denunciar e a “opinião de manada” de muitos conterrâneos.
Ainda sobre o órgão, saiu uma nota nas redes sociais em defesa do trabalho do Jidou Soudansho. A nota é esclarecedora em muitos aspectos, mas parte de premissa muito particular para concluir que o trabalho do Jidou Soudansho em qualquer parte, por qualquer funcionário é inerrante, inquestionável, quase perfeito. O autor defende o trabalho do órgão, pois, segundo ele, já colaborou com o departamento e observou que o trabalho é feito com seriedade; assim ele conclui que qualquer crítica ou questionamento não é apropriado. É como se eu dissesse assim: “trabalhei com um grupo de brasileiros honestos, logo, todos os brasileiros são honesto.”
Olhem, escrever sobre os 2 lados sem informações primárias — dos órgãos governamentais (Japão/Brasil) — é complicado; só nos resta conjecturar e fazer ponderações. As pessoas simplesmente acusam a mãe e acreditam nas instituições do governo japonês sem saber de nada, se é bom ou ruim. “Alguns que já ajudaram o Jidou Soudansho pensam que não existem erros nas instituições japonesas”. A mãe, por outro lado, com segurança envolve muitos nisto; está empenhada em divulgar o caso e defender sua inocência.
Ainda está tudo muito obscuro. Os estrangeiros vivendo no Japão parecem não entender o que pode acontecer se alguém fizer uma denúncia sem fundamentos. E se não houve maus tratos, e se o hematoma na criança foi provocado por alguma brincadeira ou acidente que a mãe não ficou sabendo?
Alguns ainda irão dizer: “mas tem uma reportagem que diz que a mãe de Kuwana cometeu DV – violência doméstica – contra seu ex-marido, ou ex-namorado”. Pois bem, juízes de plantão, no Japão, homem sempre tem mais força em palavra que uma mulher; esqueceram da sociedade machista? Imaginem se este homem fosse um profissional respeitado, um médico ou professor, porventura não teria ele mais influência do que uma mulher numa denúncia? Vejam seus recibos de pagamentos e a diferença de salários em 30 ou 40% de homens para mulher, vejam a força do machismo presente nisto. E lembrando: como uma mulher aparentando 155cm, com 42 a 45 Kg conseguiria esganar um homem de aproximadamente de 75 a 80 kg, com 170 cm? E daí se houve isto? Provavelmente ela já cumpriu a pena, pagou pelo seu erro, caso encerrado. Mas não existe nenhum relato de maus tratos às crianças em nenhum momento da vida escolar do seu filho, nunca destratou seus filhos pelos relatos de pessoas que a conhecem. Julguem em suas consciências antes de falarem mal da vida das pessoas.
E nossos representantes neste caso? Estão falando à comunidade se realmente o órgão Jidou Soudansho pode agir assim mesmo com brasileiros? O governo brasileiro não irá se manifestar de forma clara, sem “gerundismos”? Não estamos querendo que entre na soberania das leis japonesas, mas se que manifestem a explicar aos pais o que fazer neste momento.
Gostaria de finalizar este texto dizendo que espero que isto se resolva o mais breve possível, pois se a mãe, hipoteticamente, não tem condições de criar e educar o menino, tampouco tem o estado, na frieza das instituições e do sistema. Não se enganem. Forçar esta criança a ser exposta a esta ruptura, embora possa até ter respaldo em lei, não deixa de ser uma ofensa a ela e as outras crianças, suas irmãs, e é um trauma em sua natureza afetiva. Coagi-la dentro de um orfanato durante os anos de formação de sua vida, distante da mãe e irmãs, é pedir para deformar sua personalidade inteira. Espero que não chegue a este ponto.
Um forte abraço.
By Connexion.tokyo Team
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Em tempo, segue nota de esclarecimento da Embaixada do Brasil em Tóquio emitida no dia 25 de junho de 2015:
NOTA DE ESCLARECIMENTO
A respeito do caso envolvendo menor brasileiro na jurisdição do Consulado-Geral do Brasil em Nagoia, a Embaixada do Brasil em Tóquio vem prestar os seguintes esclarecimentos: O Consulado, contatado pela mãe do menor, mobilizou, imediatamente, as autoridades locais. O caso, no entanto, por envolver menor de idade, deve ser tratado com sigilo – o que se aplica, também, a casos semelhantes na Justiça brasileira. O sigilo serve para proteger o menor e minimizar o trauma que a repercussão possa lhe causar.
A mãe da criança, também brasileira, está recebendo assistência do Consulado-Geral do Brasil em Nagoia e permanece em contato com seus funcionários. O Consulado e a Embaixada continuam mobilizados para resolver o caso junto às autoridades locais.
A assistência consular está disponível a todo e qualquer cidadão brasileiro fora do Brasil. É função da rede consular brasileira verificar que o nacional não seja privado de acesso aos canais formais do Governo local e que tenha seus direitos respeitados. Uma vez verificadas as condições acima, e respeitando também as leis do país em que se encontra o brasileiro, os Consulados acompanham os casos de perto, para garantir que seja cumprido o devido processo legal, de acordo com seu ordenamento jurídico, e que o cidadão brasileiro seja tratado em pé de igualdade com os cidadãos locais.
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