Como empresas japonesas lucram nas costas dos trabalhadores estrangeiros, e em detrimento dos trabalhadores japoneses.
O presente artigo tem por objetivo denunciar as estratégias usadas por empresas contratantes e contratadas na sua sanha por lucro a todo custo. E ainda, apresenta a cronologia de como a depreciação do salário e precarização do trabalho vem se desenvolvendo ao longo dos últimos 20 anos; para isso, toma como exemplo uma linha de produção de uma uma empresa fabricante de materiais para montagem de casas, a empresa em questão faz parte de uma grande marca japonesa conhecida mundialmente. Esta prática tem sido aplicada em escala nacional em indústrias de todos os setores.
Para facilitar a explicação, seguiremos a sequência de acontecimentos na ordem cronologia dos fatos ocorridos, para que a maneira como as empresas agem na busca por lucro em detrimento da remuneração de seus funcionários seja melhor percebida pelo leitor. Vamos lá.
Em 1995, uma empresa fabricante de material para montagem de casas, possuía um efetivo de 14 funcionários efetivos na sua principal linha de produção; estes funcionários recebiam salários mensais fixos acrescidos de gratificação por horas- extras, e ainda recebiam bônus duas vezes ao ano, o que totalizava uma renda média anual de 4 milhões de ienes por funcionário efetivo, considerando a faixa etária média — no Japão, os efetivos recebem por idade e tempo de empresa, não por competência e mérito. Naquela época, a linha de produção, com o maquinário que tinha e com as habilidades técnicas dos funcionários produzia cerca de 100 conjuntos (セット) por expediente de 8 horas (preste atenção nestes números).
Ou seja, na década de 90, a empresa remunerava em média cada funcionário operacional com 4 milhões de ienes para uma produção de 100 conjuntos a cada 8 horas de trabalho. A produção total era de aproximadamente 150 conjuntos/dia (horas normais + extras).
Ainda na década de 90, a empresa começou a contratar funcionários temporários para suprir as vagas deixadas por japoneses que se aposentavam ou que se desligavam da empresa por outros motivos. Na sua principal linha de produção, por exemplo, Conforme os funcionários pegavam o ritmo e desenvolviam técnica, procedimentos e estratégias, participavam de reuniões para definir formas de dar mais produção, a produtividade da linha de produção elevava; em pouco tempo após a inserção de temporários na linha, sua produção aumentou 50%, agora eram fabricadas 150 conjuntos em 8 horas de serviço.
No final da década de 90, 50% dos funcionários dessa linha eram de temporários (Haken), com salário base anual bruto de 2,4 milhões de ienes, a um salário de ¥1.200/h.. Isto é, enquanto a empresa aumentava o salário dos efetivos que iam envelhecendo, quando estes se aposentavam a empresa fazia a reposição contratando temporários com salários de 1,6 milhão a menos. Nesse período, 50% da força de trabalho da empresa recebia em média 1,6 milhão a menos para produzir 50% a mais do que poucos tempo antes.
Em 2000, a linha já era toda composta por temporários com salário base anual de 2,4 milhões (¥1.200/h), só o líder era funcionário efetivo. Os funcionários temporária antigos já haviam desenvolvidos técnicas, habilidades para trabalhar na linha, e os novatos já entravam aprendendo as “manhas”, os “esquemas” para trabalhar na linha e manter a produção que era, a esta altura, de 200 conjuntos em 8 horas de serviço. Todos sabem que temporários são mais sucetíveis a demissões, por isso manter e aumentar a produção é uma forma que este tipo de trabalhador encontra para obter uma certa “segurança” no local de trabalho.
Assim, em cinco anos a empresa dobrou o sua produção, e reduziu o custo com mão de obra em quase 50%. As vezes, alguns funcionários temporários recebiam um aumento de ¥100/h.; geralmente, eram os que, por meio do seu “exemplo” e “conselhos”, faziam os outros entrarem no esquema de fazer a linha andar mais rápido. Mas a maioria continuava recebendo ¥1.200/h. e também continuavam elevando o lucro da empresa por meio da produtividade.
Em 2006, começou os rumores de que funcionários temporários após três anos de empresa teriam de ser efetivados. Em 2008, por causa da crise, a empresa locatária de funcionários temporários, com o pretexto de “tempos difíceis” reduziu o salário hora de futuros contratados para ¥1.100/h.. Como há sempre rotatividade, não demorou muito a linha de produção começou a ter funcionários com salário base anual de 2,2 milhões de ienes, em decorrência da redução de ¥100/h. para novos contratados.
A esta altura, a linha de produção, que em outra época era composta por 14 funcionários efetivos, com salários em média de 4 milhões/ano, para produzir 100 conjuntos por dia, agora estava com 12 funcionários temporários, um deles havia sido elevado a líder, sem a presença de efetivos, alguns ganhando ¥1.100/h., e produzindo cerca de 250 conjuntos em 8 horas de serviço.
Em 2009, quando já estava para ocorrer a efetivação dos temporários, a empresa contratante em parceria com a locatária de funcionários (Haken) fez uma manobra, arrendando a linha de produção para a locatária de funcionários temporários. Assim, a empreiteira passou a ter a concessão do setor e a receber por produção. A empresa contratante não precisava mais de se preocupar com salários dos funcionários temporários. Ajustou um valor a ser pago por conjunto (セット) produzido pela empreiteira, e esta, por sua vez, teria de se virar para equacionar seu lucro entre a capacidade de produzir e os salários a serem pagos.
Como a partir de então os gastos com horas extras ficariam a encargo da empreiteira, agora, não mais Haken, mas Ukeoi, esta começou a recrutar estagiários filipinos a salário de ¥800/h. Desde então, a empreiteira vem substituindo antigos funcionários por estagiários. Atualmente, a linha produz 300 conjuntos em 8 horas de serviço, empregando 12 funcionários, 10 deles estagiários (¥800/h), 1 operador de empilhadeira japonês (¥1.250/h) e o líder, funcionário efetivo da empreiteira com salário fixo de ¥250.000/mês mais bônus de ¥120.000/semestre.
Uma boa maneira de entender a estratégias das empresas e pensar nas projeções de melhoria dos salários e condições de trabalho. Será mesmo que no Japão os empregados sem contratos diretos podem pensar em aumento de salário, respeito de direitos trabalhistas e empresas agindo dentro la lei? Fica a reflexão…
By Connexion.tokyo Team
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