Dízimo nas igrejas! Até onde e quanto é lícito?

RAÍZES DA OPRESSÃO RELIGIOSA

Para início de conversa…

Este texto trata-se de um posicionamento contra o autoritarismo, contra princípios de mercado que não deveriam reger as relações e direções nas igrejas de modo geral, contra a opressão imposta por uma minoria sobre a maioria, contra a alienação do crente, contra os sofismas (superficialidade) no ensino doutrinário, contra a falta de reflexão sobre a prática de vida cristã, contra paradigmas mantidos por líderes oportunistas e contra a teologia da prosperidade, tal como a conhecemos.

Considero por Antigo Testamento (A.T.) e Novo Testamento (N.T.) aqui neste texto, os registros escriturísticos dentro do tempo testamentário, a saber: A.T., do Concerto de Deus com Moisés a Crucificação de Jesus; e N.T. a partir da Crucificação. O período anterior ao concerto de Deus com Moisés é considerado como pré-testamentário.

Continuando…

Antes de abordar o tema proposto, permita-me partir de um princípio norteador, que é o seguinte, preste bem atenção:

O que é essencial para a vida cristã está explícito nas Escrituras (tão somente nas Escrituras!), sobretudo no Novo Testamento. Se não estiver explícito, é porque não é tão essencial assim.

Posto isto, prossigo…

Bem, o que eu quero dizer com essa colocação acima é que existem coisas que não estão explícitas, claras, nítidas no Novo Testamento e existem pessoas que fazem com que essas coisas sejam essenciais, mas, não são.

Para entender isso, dentro do que quero abordar, trabalharei com um exemplo prático, que mexe nos ânimos e gera polêmica. Veja a questão do dízimo, por exemplo; o “pagar o dízimo”, o “dar o dízimo” ou o “devolver o dízimo” na igreja não está explicito no N.T. como ordenança para o cristão, certo? Certo! Porém, há muitos pastores e líderes dando a isto status de prioridade, de essencial, como coisa fundamental na vida cristã, no ministério e para a igreja. Se não demonstram isso em público, nos bastidores, nos conchavos, nas reuniões de “cúpula” (de líderes e obreiros) isso acontece.

E quais seriam as implicações disso? Em primeiro lugar, a partir do momento que um ministério, uma igreja local passa a ser um local de capitalização e acumulo de riquezas, focado na perspectiva de arrecadação a curto, médio e longo prazo, na projeção de receita futura a ser alcançada, passa, também, a ter a máxima necessidade de possuir e manter uma hierarquia em forma de pirâmide (poder nas mãos de um, dois, ou de uma família apenas; subordinados intermediários, com autoridade descartável; e a base que sustenta o sistema – os fiéis). Ainda, planos, metas a serem alcançadas – tramadas nos bastidores -, toda uma programação a ser seguida de forma rígida, controle financeiro, fluxo de caixa, “meios de produção” – arrecadação (eventos, departamentos de vendas, negócios paralelos, etc.) e uma agenda a ser seguida e incutida nas mentes jovens; tudo isso para trazer mais gente ou explorar melhor quem já faz parte, crescer materialmente, etc.; e assim, aumentar o volume de dinheiro arrecadado, a fim de aumentar o “poderio econômico e a ostentação ministerial”. Na verdade, é muito parecido com o esquema de pirâmide financeira, só que sem a distribuição dos dividendos para os membros contribuintes/divulgadores.

Em segundo lugar, como são poucos, uma elite eu diria, que ficam no controle absoluto do capital arrecadado e, consequentemente, das tomadas de decisões, a igreja perde uma de suas caraterísticas fundamentais: a relação “uns aos outros” em todos os aspectos; perde-se o convívio relacional, sem linha de comando na vertical, de cima para baixo; perde-se o companheirismo, a cooperação sincera e o amor fraternal genuíno; não há espaço para que todos os membros, indistintamente, deliberarem sobre assuntos de interesses da comunidade local, tampouco sobre os interesses do Reino; pelo contrário, só são adestrados para viverem o projeto proposto pelos dominadores do rebanho de Deus, projeto este, muitas vezes intitulado como “o sonho de Deus”.

Mas, enfim, e o dízimo, tal como é apresentado nas igrejas, sobretudo nas neo-pentecostais, é válido para o N.T., sim ou não?
Olha, tenho estudado e refletido bastante sobre o assunto, já faz algum tempo… Enfim, minhas conclusões são estas, as quais poderia perfeitamente debater a luz da Bíblia, por horas e horas, mas convido você para meditar um pouco sobre esses pontos:

1º) Dízimo está para o N.T. assim como circuncisão está para o cristão.
2º) Seguindo a “lógica” utilizada por pastores da teologia da prosperidade para receberem os dízimos, a questão do ‘tempo testamentário’, teríamos mais razões para exigirmos a circuncisão do cristão do que cobrar-lhe o dízimo. Certo?
3º) O conceito de dízimo não é desde sempre na igreja, é algo recente, do ponto de vista histórico, sobretudo com a ascensão da “teologia da prosperidade” ocupando espaço nos púlpitos, nos tele-evangilismos, nos discursos e nos bastidores do poder de líderes evangélicos.

Considerando esses pontos, você poderia me perguntar: mas sem os dízimos, e os gastos da igreja, sua manutenção, os encargos sociais, como se manter?
Respondo: todos os membros deliberando e decidindo democraticamente o orçamento, com pautas apresentadas pelo colegiado de pastores, e contribuindo efetivamente, sempre com prestações de contas realizadas periodicamente por uma comissão administrativa rotativa. Isto garantiria lisura (transparência) no trato com as finanças, quebra de monopólio do controle, desapego ao PODER e à OSTENTAÇÃO que o capital proporciona, e uma forma de combater a SÓRDIDA GANÂNCIA.

E a questão da oferta? Quanto ao conceito bíblico de oferta, segundo o N.T., a igreja (pastores) deve orientar à quem o cristão deve ofertar (o realmente necessitado, dentro e fora da comunidade), instruir sem impor, seguindo os princípios explicitados expostos por Paulo em 1Co. 9. Assim, exortando a cada crente a ter um olhar misericordioso e assim ter autonomia para a prática de ofertar, conforme Mt. 6: 1-4.

Neste modelo deliberativo (claro que com colegiado de pastores, o chamado presbiterado, e diáconos), os cristãos seriam mais participativos, autônomos, aprenderiam e seriam ensinados a PENSAR, a debater. Pastores, por sua vez, conduziriam os irmãos no desenvolvimento da espiritualidade, à estatura de Cristo, ao invés de ficar perdendo tempo querendo controlar amplamente a vida das pessoas, oprimindo-as.

Quando todos decidem juntos, opinam, deliberam (ver o sentido dessa palavra no Google!) vive-se o verdadeiro Sonho de Deus para a Igreja, a verdadeira unidade do corpo, explicitado em 1Co. 12, desde que a Palavra (tão somente a Palavra!) seja a única fundamentação ESPIRITUAL para as decisões, tal como foi em At. 15.

Mas por que há resistência em relação à este modelo de gestão eclesiástica? Ou por que há sempre o elitismo entre a liderança?
O ser humano possui o latente desejo de ser aceito, de ter suas ideias e visões acatadas sem muito questionamento, da autorrealização, de empreender, e isto, neste contexto, inclui fazer o ministério crescer, ser notável, se destacar; o que acaba gerando um sentimento de disputa, de concorrência, superioridade. Com isso, a capitalização de dízimos se faz necessária como fonte para essa arrancada, em busca desse desejo latente, rumo ao “sucesso”. Mas para validar tudo isso é necessário um outro pressuposto professado por alguns: o da unção especial, do chamado especial, da unção sacerdotal, estilo A.T.; desse modo, acaba havendo esse elitismo e resistência à um modelo cooperativo e relacional nos moldes do N.T. – “uns aos outros”.

Muitas vezes, observa-se nesses ministérios que, o que transversaliza a maior parte das tomadas de decisões, as estratégias, é a capitalização de dinheiro, por meios diversos, para crescimento material, comercial e de empreendimentos, para garantir a autorrealização e satisfação dos mentores, dos detentores do monopólio do “chamado de Deus” – a liderança. Desse modo, muitos acabam caindo nessa condenação, exposta em Ezequiel 28: ” […] Na multiplicação do teu COMÉRCIO, se encheu o teu interior de VIOLÊNCIA, e pecaste; pelo que te lançarei, profanado, fora do monte de Deus e te farei perecer, ó querubim protetor, entre pedras afogueadas […]” (grifo meu)

Objetivos e sonhos são particulares à liderança apenas; de contrapartida, a membresia, com sua força de trabalho e seu dinheiro, são MEROS MEIOS para se alcançar tais objetivos e sonhos propostos (ou impostos) pela liderança. Alguns, no trato para com a pessoa humana violam o ‘princípio supremo da moralidade’, quando usam pessoas como MEIOS para alcançarem seus próprios interesses, porém, ferindo a dignidade e integridade de tais pessoas. Assim, fazem, usando o nome de Deus, com que seus objetivos, sonhos e circunstâncias especiais estejam acima dos de outros, passando a cometer abusos em nome de Deus. Em outras palavras, quando alguém usa pessoas como objetos, buscando satisfazer seus desejos, sem se importar com as necessidades e o espaço do outro, quebra-se o princípio supremo da moralidade. A pessoa humana, sua dignidade e restauração devem ser o fim a ser buscado, jamais, dentro da moral cristão devem ser meios para outros fins.

Enfim, acaba que o acumulo e capitalização de riquezas sem uma participação de toda a comunidade gera, na maioria das vezes, uma elite famigerada, que defende com unhas e dentes a doutrina do dízimo mais do que DOUTRINAS ESSENCIAIS e explicitas no N.T. para a vida cristã. Doutrinas essenciais acabam sendo diluídas sob os pretextos de “nova revelação”, “nova visão”, mas o ensino do dízimo permanece inalterado, tal como o conhecemos dentro do evangelicalismo brasileiro, dentro e fora do Brasil.

E quanto à tal da prosperidade prometida pelos pregadores? Depende de qual “prosperidade”. A prosperidade tendo como parâmetro a sociedade de consumo e o que ela determina como padrão, ou a prosperidade do ponto de vista bíblico, a qual excede o capital econômico, social e cultural… Qual das duas? Se for a segunda, o caminho é este, basicamente: honrar pai e mãe, temer ao Senhor, ser diligente no seu trabalho e se compadecer do necessitado. Mas infelizmente, muitos têm sido ensinados a desprezar este caminho bíblico citado para querer BARGANHAR a “prosperidade” por meio do “entregar o dízimo”, muitas vezes de forma supersticiosa, ou sob coação e medo; muitos “sacrificam” pai e mãe em nome de ‘corbã’ (ver Mt. 15)

Para terminar…

Alienação é a não compreensão e a não participação nos processos de uma determinada ação; é também a falta de relação entre o que se acredita viver e o mundo real. Portanto, o ALIENADO diz: “eu dou pra Deus; o que o meu pastor faz não é problema meu, pois ele terá de prestar contas é com Deus…”

Você pode até pensar assim, mas saiba que questões envolvendo a obtenção, a administração, o planejamento e a aplicação do CAPITAL podem interferir negativamente, sim, na SAÚDE da Igreja. Este tipo de pensamento, que aparenta um “desapego às questões materiais”, uma “super-espiritualidade”, demonstra, na verdade, uma total falta de zelo para com o andamento da igreja espiritual, comodismo e subserviência, o que nada tem a ver com humildade. Humildade, sim! Subserviência, não!

Que este texto possa ser um convite à reflexão.

Publicamos este texto por ser uma opinião imparcial e um convite a reflexão das atividades de muitas igrejas e seus líderes. Existem excelentes igrejas, existem igrejas que aproveitam da fé das pessoas que precisam de esperança.

Todos precisam usar a sabedoria e saber interpretar que esperança não é vendida e sim compartilhada.

By Connexion.tokyo Team

Um texto polemico e conflitante, dificil de acreditar, mas uma historia real, se tiver tempo leia: Igrejas ou exploradores no Japão? O perigo quando pessoas deprimidas escolhem ajudas erradas, clique aqui para ir para a matéria…