Acidente de trabalho no Japão, brasileira 50 anos.

“Fico muito feliz em poder contar as pessoas o que me aconteceu trabalhando no Japão. Ajudar as pessoas a entender que precisamos nos unir e não aceitar as humilhações que somos condicionadas é o que todos devem fazer.

Eu trabalhava numa fabrica que produzia pneus em Aichi-ken, região de Higashi Mikawa.

Em maio do ano passado (2015) eu fui trabalhar como fazia todos os dias. Agradecendo a Deus a saúde e força de poder ajudar meu esposo com as despesas de casa.

Eu fazia “kensa” (verificação de controle de qualidade) nos pneus. Neste dia eu fui enviada a trabalhar em um outro setor que não era o meu. O trabalho ficava no segundo andar.

Neste andar o setor possuía uma estreita rolante com um robô com um braço mecânico, os pneus viam do terceiro andar para a checarem. A maquina soltava um pneu de cada vez para a verificação.

A maquina já apresentava defeito a solicitação de concerto tinha solicitada mas, até aquele momento, não tinha sido providenciado. Como se diz: “Parar a produção é perder dinheiro, mesmo que coloque a vida de empregados em risco. Uma fabrica que tem muitos estrangeiros parece que tudo errado fica normal, aliás somos sempre descartáveis”.

Neste dia, o braço mecânico da maquina travou e a japonesa que eu trabalhava naquele dia chamou o líder para verificar o equipamento.

O líder chegou no setor e não chamou o pessoal da manutenção para avaliar o problema. Por sua livre incitava resolveu dar continuidade ao trabalho devido as escalas de saída de caminhões, nada poderia atrapalhar a produção naquele momento. Este é o pensamentos das empresas japonesas, respeito aos prazos e vamos manter nosso cronograma mesmo que seja com perigo de causar um grande acidente.

O líder solicitou uma empilhadeira que trouxe uma gaiola de ferro, o mesmo começou a executar o serviço do robô em trazer pneus para o segundo andar. O problema é que a maquina trazia os pneus em um certo período de tempo e na posição correta de verificação. Neste sistema mais que primitivo e “gambiarrista” do líder, ele começou a jogar os pneus de uma altura e os pneus por serem de borrachas, suportaria o impacto da queda sem problemas e de acordo com o tempo que ela achava que deveria ser feito as verificações.

Os pneus começam a vir em posições aleatórias que me obrigava a trabalhar com a cabeça abaixada, demorando a verificação e colocando em risco as pessoas – no caso eu – com os arremessos de pneus. Tudo para não parar a produção e manter o lucro, contratos e nome da empresa.

Eu fazendo aquele trabalho já com medo, ao terminar a verificação de um pneu, trabalhando com a cabeça baixa não percebi que o líder tinha arremessado um pneu em cima de mim. Resultado, fui acertada em cheio na cabeça pelo pneu para rodas de aro 18.

O pneu acertou minha lateral do rosto e com o impacto eu uso óculos para trabalhar quebrou meu óculos, cortou em dois lugares meu rosto quase perdi a visão. No momento não consegui enxergar mais nada, sentia um gosto de sangue na garganta, cai no chão e só via vultos e ouvia vozes longe.

A fabrica não chamou os paramédicos e ambulância. Se tivessem chamado, com toda certeza viria a policia japonesa apurar em que circunstancia aconteceu o acidente e exigir responsabilidade da empresa em relação ao ocorrido. Eu imagino que poderia até ser uma tentativa de homicídio, homicídio culposo.

Nesta de não chamar a ambulância para evitar fiscalização da policia, me tiraram por de trás da fabrica, escondido como se eu fosse um objeto ou um animal, bem do tipo de empresas que tem trabalhadores escravos e clandestinos.

Eu não movia a cabeça e só pensava nos meu filhos e no meu marido. Imaginei que iria morrer ali nas mãos deles sem nenhum tipo de assistência, sem um proteção cervical, nada.

Neste momento, a principal preocupação é com a imagem da empresa, a proteção aos lideres e encarregados, a preocupação de ocultar um acidente que poderia ter quebrado meu pescoço, me deixado invalida ou me matado, afinal recebi uma pancada na cabeça de um pneu para aro 18 de uma altura de mais de 2 metros.

Como meu caso foi grave, me levaram para o hospital e disseram aos médicos e enfermeiras que eu havia caído “de maduro” na fabrica, tudo para nao acionar o “Rousai Hoken” – (Seguro contra acidentes e doenças de trabalho). Nem a fabrica nem a empreiteira acionaram este seguro alegando que eu havia apenas caído na fabrica.

Depois que eu sai do hospital me fizeram voltar na fabrica com muita dor e fazer relato do acidente mais uma vez não se preocuparam comigo a preocupação era com os lideres e em abafar tudo o mais rápido possível.

Depois de 2 dias a dor era intensa, resolvi voltar no hospital por minha conta porque não acreditava no diagnostico do medico. Tudo foi conversado entre a empreiteira e os médicos, infelizmente eu não falo e não entendo japonês ao ponto de expor o acontecido e os fatos.

Chegando pela segunda vez no hospital com muita dor, contei de minha forma o acontecido e o hospital imediatamente acionou o “Housai Hoken” para tirar a responsabilidade do hospital e me dar assessoria como acidente de trabalho.

O Tantousha ficou bravo e não gostou da ideia de ter que acionar o “seguro para acidentes de trabalho”. Ele ficou irritado e muito bravo. Eu já não tinha mais confiança na pessoa deste tantousha que se preocupava com a empresa sem se preocupar com o empregado. Somos seres humanos e não apenas peças descartáveis como estragou joga fora. Somos estrangeiros com visto de trabalho. Não somos escravos e clandestinos e mesmo que fossemos, somos seres humanos que merecem respeito e atenção.

Por não compreender as regras e dominar o idioma, tive muitos problemas.

Este ano estou com 50 anos, estou desempregada e dificilmente arrumo outro serviço nesta região com um salário que tinha. Os chefes da fabrica que eu trabalhava foram transferidos para outras filiais.

O meu tantousha sem maiores constrangimentos me trouxe um papel que eu teria que assinar atestando que eu me manteria longe do líder que causou o acidente como se eu quisesse puni-lo com violência o fato ocorrido. Me senti sendo uma ameaça para o líder sem mesmo eu ter nenhuma intenção de fazer nada. Me senti na pele de uma possível justiceira que poderia usar a força contra este líder japonês que me machucou.

Sai da condição de vitima e passei a ser a causadora de problemas. Palhaçada, pensar que somos animais ou realmente nos tratam como escravos e ignorantes? Tudo porque não sabemos o idioma? Então porque nos contratam e nos colocam tradutores a disposição? Se colocam tradutores é porque somos rentáveis a eles, então se chegarmos lucros eles tem que dar todo o suporte que a lei os obriga.

Minha humilde conclusão de tudo: No Japão as coisas tem que ser do jeito que as empresas e empreiteiras querem.

Como diz os japoneses amigos da família (não no sentido de preconceito, no sentido de realidade) : “Somos escravos brancos e somos tratados como tal, sem o mínima consideração humana”.

Talvez muitos compatriotas me critiquem de ter esta atitude de falar o que é realidade por aqui. Eu que que meu relato sirva de exemplo para que as pessoas se sofrerem um acidente na fabrica, chamem a ambulância por conta própria, e se um amigo sofrer um acidente, chamem a ambulância e ajudem seus amigos como seres humanos, não vejam nacionalidade ou se gosta mais ou menos da pessoa. Somos humanos e merecemos isto. Amanha pode acontecer um imprevisto com qualquer um. Que Deus protejam a todos nós!

As atitudes dos lideres japoneses e tantoshas não irão mudar nada com isto, não ira mudar mudar nada com este relato. Vai ser uma tolice achar que de agora em diante teremos um tratamento como deveríamos receber, todavia, espero que as pessoas compartilhe este relato e tomem consciência da importância de se preocupar com o próximo e serem mais unidos e organizados em busca de seus direitos, respeito e saberem que a vida é mais preciosa do que dinheiro e posição em empresas. As empresas e empreiteiras somente veem o lado deles, preocupam com lucros, contratos e dinheiro.

Meu marido trabalha há 19 anos na mesma fabrica. Já foi maltratado humilhado mas continua firme, fazendo sue parte e garantindo seu salário para a manutenção de nossa casa.
Aqui no Japão pagamos todos os impostos, pagamos seguro de saúde, pagamos previdência agora obrigatório. Pagamos impostos sobre tudo. Sendo assim deveríamos nós estrangeiros ter o mínimo de respeito e que a lei fosse igual para todos. Não estamos aqui como bandidos ou escravos, eles precisam de nós e nós precisamos deles.

Não me mandem embora para o Brasil porque lá é pior. Pensem que Brasil esta findado para muitas famílias aqui no Japão. Mais uma vez: apenas temos que exigir respeito como seres humanos e na mesma proporção que pagamos nossos impostos.

Desse mundo nada se leva a não ser a Dignidade e o carácter que muitos não demostra ter…!!!”

R.N, 50 anos – Aichi-ken, HIgashi Mikawa. (SIC)

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