Convidamos pessoas para escrever e eis que recebemos um impressionante relato, uma boa reflexão de um leitor da página…
“Olá, tenho acompanhado as matérias de vocês relacionadas a finanças, compra de terrenos no Brasil, financiamento de casas no Japão etc., e achei muito interessante a abordagem, algo que não se vê por aqui. Há um mundo de possibilidades para quem está aqui no Japão no que se refere a investimentos buscando se preparar para o futuro.
Pensando nisto, gostaria de deixar uma experiência minha relacionada a questão de terreno.
Estou resolvendo um negócio no Brasil com meu irmão, estamos fazendo o parcelamento de solo de um terreno que temos em conjunto. Do jeito que está desenrolando as coisas, conseguirei ter uma boa aposentadoria complementar, e isto com um investimento inicial muito baixo.
Em 2003 compramos esse terreno, uma área de 3000 m2 (50 x 60m), por R$15.000, R$7.500 para cada. À época, a região era meio que rural e nossa intenção era fazer alguma coisa lá para nossa família, tipo uma pousada para nós mesmo, sem pretensão de alugar ou ter renda.
Acontece que de lá pra cá, a urbanização foi avançando e hoje o terreno se encontra numa área que já se desenvolveu relativamente bem. Próximo ao local já existe loteamentos sendo feitos.
Então, resolvemos seguir a mesma logística usada pelas empresas loteadoras: parcelar o solo, dividindo em pequenos lotes de 220m2, 12 ao todo – abrimos uma rua no meio, – e colocar a venda por 10% de entrada e prestações de até 120 vezes, que será corrigida pelo IGP-M + um rendimento X; ou à vista por R$58.000 cada.
Por ora, estamos focados na questão do parcelamento. Um corretor de imóveis, também advogado, amigo da família de longa data está nos orientando sobre todo o processo.
Se tudo der certo, como esperamos, minha parte, desde a entrada até a última prestação, será totalmente alocada em CDB, Tesouro ou outro fundo de investimento, talvez uma parte em ações, ainda não sei direito. Enfim, como não preciso do dinheiro para agora, vou deixá-lo trabalhando por mim e assim garantindo minha aposentadoria e o bem estar para minha família. Soma-se a isto, minhas economias e outros pequenos investimentos que tenho feito ao longo dos anos. Como diz o velho ditado: “de grão em grão, a galinha enche o papo.”
Enquanto isto, vamos vivendo tranquilo aqui, aproveitando o que há de bom no Japão e absorvendo aquilo que podemos agregar nas nossas vidas. Quando percebermos que não há mais nada para agregar nas nossas vidas, e não digo só financeiramente, seja por questão de idade ou por outros motivos, retornaremos ao Brasil. E planejo morar numa cidade do interior que tenha população relativamente baixa e IDH (índice de desenvolvimento humano) alto para os padrões brasileiros; já tenho algumas cidades em vista. Também estou vendo propriedades maiores, com metro quadrado barato nestas cidades, para quando for residir lá, fazer minha agricultura de subsistência, livre de agrotóxicos, e também ter meus tanques de tilápias, um outro sonho.
Agora vai eu, peão de fábrica no Japão, dizer isto pessoalmente para o povo aqui, principalmente para alguns conhecidos, demonstrar este planejamento a longo prazo… Vão fazer igual a cantores de músicas sertanejas quando traduzem músicas estrangeiras; a música pode ter uma mensagem bacana, inspiradora, motivadora, mas o infeliz do cantor sertanejo pega a versão original e transforma ela em lamento, falando de abandono sofrido, traição etc., só coisa ruim. Assim eu percebo povo aqui. É só falar em aplicar dinheiro no Brasil, que logo aparece gente com este discurso: “mas, e o confisco?”, “e o governo?”, “e, não sei não, hein, vai que o governo toma..”. E assim caminha essa galerinha… Ou melhor: não anda nem para frente e nem para trás. Ainda bem que surgiu esta oportunidade de expor o que penso por escrito aqui […]
[…] Não digo todos, mas a grande maioria da comunidade — se é que podemos usar este termo “comunidade” — prefere dar ouvidos a sujeitinhos bem trajados em terninhos dando palestras com palavras cheias de PNL (programação neurolinguística) e que alugam carros importados e pegam dinheiro emprestado no cartão de crédito a juros de 18%a.a. só para passar uma boa impressão, para se fazerem de prósperos, conheço pessoalmente pessoas assim. O pior é que tem muita gente incauta, e até mesmo gente que devia ser esclarecida, que cursou grau superior, que idolatra e corteja esses farsantes.
Fazer o quê, nê? Enquanto isto, por aí nas fábricas, tem aqueles brasileiros, sujeitos comuns, disciplinados, que batem o cartão todos os dias, trabalham de peão mesmo, mas que estão construindo um futuro melhor, seguro, visando não só a vida deles como a dos filhos e até mesmo dos netos. Eu acredito que haja gente assim. Gente que utiliza o tempo livre para se atualizar, para se educar, não esta educação para testes, empregos, mas se educando para pensar com qualidade, para enriquecer o intelecto.
Por outro lado, vejo pessoas que ficam no fascínio por qualificação, por especialização, por ter domínio em vários idiomas… Para quê? Para atender às exigências do RH de uma grande empresa, para ter qualificação para buscar as metas de alguém que não está nem aí para você e que vai lucrar com o desempenho profissional de quem é fascinado por qualificação?
Veja: trabalhar como corretor de seguros, trabalhar num escritório, no consulado, na softbank, na AU, trabalhar no escritório da Toyota, da Apple ou da Nissan, SEM AUTONOMIA, só seguindo o estipulado, sempre condicionado à bater as metas e objetivos empurrados de cima para baixo é a mesma coisa que trabalhar numa fábrica de peão, e com certeza mais estressante.
Com o tempo, os esquemas de raciocínio de pessoas assim passam a ser bitolados num restrito campo apenas, passam a respirar empresa, exalar cheiro de empresa, falar em nome da empresa, pensar como a empresa, alinhar-se à visão, missão e aos princípios da empresa; adquire trejeitos de outros da mesma profissão e se tornam caricaturas de si mesmos, pessoas decifráveis, vítimas da acuidade mental de quem quer sempre extrair o melhor desses pobres servos com status de qualificado.
Pessoas assim, continuam sendo peças na engrenagem do sistema, mas com o direito de receber uma placa de “parabéns” e assim ser mais uma vez condicionado à repetir o desempenho, adestrado em busca de bater as metas dos donos do lucro. Continuam a dar a vida, muitas vezes vivendo 24 horas por dia pensando nos projetos da empresa, para no final serem tão substituíveis quanto possível.
Ou seja, se você, pessoa qualificada que não quis mais trabalhar em fábrica e que se empenhou para ter status profissional, não se comportar conforme o sistema quer, você já está com prazo de validade vencido. Simplesmente, descartável como o trabalhador de fábrica.
Vejo amigos que se enveredarem pelo caminho da busca constante por qualificação, cursos, idiomas, especializações, treinamentos, sempre condicionados a isto, a ter uma suposta alegria nisto, se envolvendo nisto de tal forma que não lhes resta tempo nos finais de semana para a família. Na busca em oferecer o melhor de si para terceiros, estão protelando sua própria vida, a consolidação de relacionamentos afetivos e deixando de planejar o próprio futuro.”
By — S. S., 38 anos, Aichi.
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