Japão com a família – 2000 a 2014 – e o futuro dos filhos na volta ao Brasil.

Vou lhes contar minha história. Optei pelo anonimato. Entendam. Fui para o Japão em março de 2000. A princípio, na década de 90, relutava muito em ir para a terra dos meus pais; para mim, os descendentes que iam para o Japão eram derrotados, fracos, assim pensava. Tentei o máximo que pude aguentar as pontas no Brasil, no limite, mas não tive alternativa, “mordi a língua”, “dei o braço a torcer”, fiz contatos com conhecidos que haviam emigrado antes, preparei a família, arrumei as malas e embarcamos para o Japão, eu, minha esposa e meus três filhos.

E o que, de fato, me impeliu a ir? Foi a “década perdida” de 90. Possuía uma média empresa que foi atingida em cheio por um ataque que aconteceu no dia 16 de março de 1990, um dia depois da posse do então presidente Fernando Collor. O ataque foi o confisco, o qual desestabilizou muitos empresários. Depois desse acontecimento, as coisas só pioraram. Dívidas com fornecedores, atrasos no pagamento de funcionários, pagamento de indenização trabalhista e outros processos que ficaram pendentes.

Desse modo, cheguei ao Japão para começar a vida do “menos zero”. Geralmente as pessoas mudam de vida para começar do zero, mas eu e minha família tivemos que sair do negativo primeiro para começarmos a reconstruir nossa vida e buscar dar um suporte para meus filhos. Assim que chegamos ao Japão, fiquei três anos pagando dívidas pendentes, honorários de advogado. Não foi fácil. Passamos três anos economizando o máximo, trabalhando muito e cada mês era um peso a menos: as dívidas foram diminuindo até serem quitadas. Para agilizar isso, precisei de vender minha casa, coisa que me arrependo até hoje, pois depois de 2008, os imóveis no Brasil tiveram uma valorização brutal.

Após o período mais dramático das nossas vidas – trabalhar para pagar dívidas -, havia chegado a hora de começarmos a construir algo para nossos filhos. Vou voltar no tempo para falar como foi a situação dos meus filhos, em especial, a situação do meu filho… Como disse, cheguei no Japão com a família; meus três filhos chegaram cursando o ensino médio (filha), sexto ano do primário (filho) e quinto ano do primário (filha). Somente minha filha mais velha, por estar no ensino médio, entrou em escola brasileira, os mais novos foram cursar a escola japonesa, no shougako. Essa decisão foi em partes por causa do custo, por a escola japonesa ser mais barata, e também pela expectativa que tinha dos mais novos conseguirem se adaptar no sistema japonês. Ledo engano, logo digo o porquê.

No tempo em que ficamos no Japão, quase não tivemos tempo de ir na escola acompanhar meus filhos, no máximo íamos apenas em dias de undokai, gincana, que eram nos finais de semana. Coloquei meus filhos mais novos num projeto de alfabetização, apesar de eles já estarem alfabetizados, para que eles pudessem aprimorar a leitura e escrita do idioma português. Nossa intenção era retornar para o Brasil, mas queria que eles tivessem uma base no ensino japonês também. Entendam, tínhamos de trabalhar, não podíamos desperdiçar dias e horas de serviço para ficar indo à escola, nem eu nem minha esposa, pois já chegamos aqui com mais de 45 anos de idade, e nos primeiros anos dos meus filhos na escola japonesa, ainda estávamos pagando as dívidas no Brasil. Não era fácil. Não podíamos ficar brincando.

De contrapartida, procuramos aproveitar o máximo o tempo com os nossos filhos, fazíamos da janta a hora de conversarmos, saber como tinha sido o dia deles na escola. Programávamos passeios curtos e baratos para alguns finais de semana no mês, e deixávamos para ir em lugares um pouco mais caro nos feriadões. No tempo de Japão, após quitarmos as dívidas, pudemos ir à Disney, Universal Studio, à diversos parques temáticos, aquários e até em Okinawa. Apesar de ter três filhos, e com isso mais gastos, fazia o controle e planejamento dos gastos e investimentos, algo que já fazia antes por ter sido empresário e, mais ainda, por ter passado pelo que passei. Eu e minha esposa tínhamos uma renda bruta em média de ¥550.000 – ela era líder de seção na fábrica onde trabalhava; trabalhávamos em lugares diferentes.

Como disse, meus filhos menores entraram em escola japonesa. Para ser bem sincero – é aqui que quero enfatizar mais no meu relato – o desempenho deles foi muito baixo no sistema japonês. As vezes eu chorava escondido por ver no ‘Kodomo no sugata’ deles tantos triângulos – conceito baixo de aprendizagem. Eles nunca tiraram nem um ‘hiaku ten’ – 100 pontos – nas provas, e aquilo doía muito em mim, por vê-los sem perspectivas, e, ao mesmo tempo, estar entre a cruz e a espada, ou focava no trabalho ou dedicava mais tempo com eles.

Quando minha filha mais velha terminou o ensino médio na escola brasileira, coloquei minha filha mais nova na mesma instituição. Meu filho continuou no Chugakko até concluir. No último ano dele nessa etapa escolar, tive de ir conversar com professores, e nesta reunião eu não podia faltar, nem eu e nem minha esposa. Na reunião, o professor nos disse que seria muito difícil o meu filho progredir no ensino médio, que seria até melhor que ele ingressasse na escola brasileira como as irmãs, pois o desempenho do meu filho, segundo o professor orientador, era pífio.

O que me deixava mais angustiado não era nem o fato de o meu filho ter de ir para a escola brasileira, mas por ele ter tido um desempenho ruim nas provas na escola japonesa e, assim, ter tido, nos três anos de Chugakko, em todos os ‘kodomos no sugata’, nas matérias principais, conceitos tão ruins. Ficava angustiado com isso, porque sabia do potencial dele, sabia da inteligência que ele tinha e tem, ficava admirado das sacadas que ele tinha diante de algo que conversávamos; ele tinha um senso de humor espontâneo, conversava em português com desenvoltura, procurava usar palavras difíceis nas conversas em família, enfim, eu não podia acreditar que a trajetória dele havia sido sentenciada assim, com frieza, pelo professor e equipe pedagógica da escola japonesa.

Esse baque, essa “caída na real”, esta desilusão se deu a partir dessa reunião, em agosto de 2003, embora já soubesse que as notas dele não eram grandes coisas. Nos meses que se seguiram, nos dias de folga, ficava horas e mais horas na internet procurando provas e simulados em português, lia artigos sobre educação para saber como poderia ajudar meu filho, que era o caso mais dramático, pois minha filha mais nova já havia se adaptado e estava se desenvolvendo bem na escola brasileira. Mas meu filho estaria entrando no ensino médio, teria de estar preparado.

Nessas buscas pela WEB, acabei achando simulados do ensino fundamental II. Comecei a aplicar esses simulados para o meu filho e fui me espantando pelo desempenho dele. Matérias de matemática, por exemplo, que na escola japonesa ele apresentava desempenho fraco nas provas, em português era o contrário, estava tirando “notas boas” nesses simulados que aplicava para ele. Pedi à interprete da escola japonesa que encaminhasse esses simulados de matemática para o professor, para que ele analisasse se as questões estavam no nível que era abordado na escola japonesa, e para minha surpresa, estavam no mesmo nível, sim. Logo concluí que o problema do meu filho não era de aprendizagem, mas, sim, de avaliação; ele tinha mais segurança para responder e resolver problemas em português. A partir daí fui me animando e procurei motivá-lo também, e muito; a autoestima dele foi lá no alto! Pude ver a alegria em relação aos estudos renascendo no olhar do meu menino!

Terminado o Chugakko ele foi encaminhado para a escola brasileira, onde a irmã mais nova já estava e onde a irmã mais velha já havia concluído. Nesse período, como já estava mais a par do que eu poderia fazer para melhorar o desempenho dos meus filhos na escola, e por já estar sem o peso das dívidas nos ombros, intensifiquei meu contato com eles à noite, quando chegava em casa. Todos os dias, religiosamente, liamos juntos reportagens de jornais, revistas ou assistíamos a vídeo-aulas e documentários curtos. Levantávamos as 6 horas da matina para fazer isso!

Sabia que a qualidade da escola brasileira que eles estavam era fraca, e não podia mais ficar contando com o sistema, seja ele japonês ou brasileiro, não podia mais terceirizar o futuro dos meus filhos, precisava agregar algo mais no desenvolvimento intelectual deles. À noite, depois da janta, pedia que fizessem a leitura de reportagens nas áreas de economia, política, comunidade, Brasil, mundo, esportes, e que explicassem o que tinham entendido; procurava diversificar o conteúdo e a fonte para que eles pudessem formar opinião. Nos finais de semana, solicitava redações sobre diversos temas, para analisar a capacidade de escrita e expressão deles. Com isso, minha casa se tornou uma verdadeira escola paralela, onde eles liam e debatiam assuntos da vida real e prática!

Quando meu filho estava para terminar o segundo ano do ensino médio, ele veio conversar comigo e com minha esposa sobre o futuro, seus sonhos e preocupações. Ele nos disse que não queria terminar os estudos aqui no Japão, mas que achava melhor cursar o terceiro ano no Brasil, para que pudesse ir se acostumando, já objetivando o vestibular. Nos últimos dois anos eu vinha incentivando-o a estudar focado no vestibular, pois este serie o grande ‘divisor de águas’ na vida estudantil dele. Assim, em janeiro de 2006, ele embarcou para o Brasil e em fevereiro já estava estudando no terceiro ano. Adaptou-se bem na escola no Brasil. Uma professora de matemática que havia dado aula para ele na escola brasileira no Japão, conterrânea nossa, indicou a escola, pois tinha dado aula lá antes de ir para o Japão, como também conversou com a direção da escola para que esta lhe oferecesse apoio na readaptação.

No final de 2006, ele tentou o vestibular para Engenharia Elétrica, em três universidades, todas elas públicas, mas não foi aprovado. Mas não desistiu, serviu-lhe de experiência. No ano seguinte, matriculou-se num cursinho, estudava dia e noite, e nos finais de semana estudava com um grupo de colegas, que também estavam focados no vestibular. No final de 2007 ele prestou 3 vestibulares: na UFSC, UFMG e Fuvest. Para nossa felicidade – e que felicidade! – ele foi aprovado na UFSC e na Fuvest. Optou em estudar Engenha Elétrica na USP. Assim, ele ingressou na USP em 2008 e se formou em 2013; na ocasião, viemos do Japão para a formatura. Na metade de 2014 voltamos em definitivo para o Brasil.

Minha filha mais nova, após terminar o ensino médio em 2007, começou a trabalhar. Em 2010 ela se casou com um ex-colega de escola brasileira. Minha filha mais velha, que já trabalhava desde 2004, já havia se casado também, em 2007, com um ex-colega de escola. Meu filho ainda não se casou, está trabalhando em São Paulo – capital – numa grande empresa. Minhas duas filhas estão estudando atualmente no ensino superior, a mais velha cursando psicologia e a mais nova, nutrição. Não é em nenhuma USP, mas o importante é que elas também não desistiram. Atualmente, eu e minha esposa estamos tocando uma lanchonete própria no centro da cidade em que escolhemos para morar, a 140 km de São Paulo.

Este é um pequeno resumo de minha história no Japão. Resolvi compartilhar com todos porque é nítida a falta de interesse dos pais pela escolarização e educação dos filhos. Muitos dos meus amigos no Japão pensavam que competia somente a escola e ao esforço sozinhos dos filhos serem melhores e mais estudiosos.

Conclusão:

Se nós pais não nos interessamos em fazer parte da vida dos filhos todos os dias, temos que saber que educar filhos não é somente pagar as contas e garantir condições de moradia e alimentação.

No Japão, pelo não domínio do idioma dos pais, cada vez mais os assuntos entre os filhos se resumem a conversas somente do cotidiano, conversas somente com adjetivos: Que bonitinho! Kawai! Sugoi! Erai! Gambatte! Kinishinai de kudasai! Mada Jikan ga aru!

O futuro dos filhos está na escolha dos pais, está na participação dos pais no dia a dia das crianças. Veja as pessoas a sua volta; veja as pessoas na sua mesma faixa de idade; a maioria que não teve oportunidades foi talvez pela falta de participação dos pais na escolarização, não por maldade, mas pela falta de interação dos pais, pela falta de escolarização dos pais, pela falta de informação que no passado era muito grande.

Não podemos apenas dizer: “estude”, “se esforce”, “tenha um bom currículo”, “faça a lição de casa”, “se você não estudar não terá boas notas e não conseguirá um bom serviço”.

Nós pais temos que fazer a lição de casa juntos, temos que saber das dificuldades dos filhos e tentar diminuir as falhas e estimular a criança a saber que a dificuldade de hoje será o ensinamento de amanha.

Cabe a nós pais, e somente a nós, conversar e educar nossos filhos passando o conhecimento que temos a eles. As crianças sabem das dificuldades de cada pai, sabem das limitações, as crianças sabem dos pais melhor do que os pais sabem das crianças. Já escutei colegas de meus filhos dizerem que não conversavam assuntos com os pais pela falta de conhecimentos dos mesmos. Isto não está sendo uma inversão de valores?

Senhores pais, se envolvam com a escolarização de seus filhos, não deixem que eles fiquem sozinhos e inseguros nesta caminhada da vida, esteja presente, seja o porto seguro deles. Eles irão se encaminhar sozinhos se souberem que têm como recorrer ao suporte dos pais todos os dias. Sejam presentes, amigos e sábios para entender as fraquezas e fazer destas fraquezas seu ponto forte.

Não esqueçam que nem todas as crianças tem a mesma inteligência, a mesma facilidade de assimilar e a mesma força interna para se sentir segura, todas dependem da força dos pais. Se os pais não forem capazes de transmitir segurança, cumplicidade, as crianças irão buscar segurança em outros lugares: um líder de grupo, um herói imaginário ou levar todos os dias consigo a frustração de não poder ter força na família para superar suas fraquezas.

Espero de coração que esta história sirva de exemplo, e que Deus possa ajudar conduzindo os pais para serem mais presentes na vida dos filhos.

Fiquem com Deus, compartilhe com seus amigos este ensinamento de vida.

By Connexion.tokyo Team

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