Normalmente, os pais brasileiros no Japão desejam que seus filhos frequentem as escolas japonesas objetivando um futuro melhor para eles, que seja diferente dos seus; ou seja, os pais visualizam no sistema educacional japonês uma chance de seus filhos(as) não serem, no futuro, trabalhadores temporários – via empreiteiras ou contrato direto de curta duração.
Para esses pais, a escola japonesa é o meio de tornar as chances melhores, no que diz respeito a emprego e a mobilidade social da nova geração de brasileiros no Japão.
Mas será que é tão simples assim como muitos pais pensam?
A escola japonesa não é uma ilha separada da sociedade local, e por ser a escola parte da sociedade, o processo de integração e adaptação que as crianças estrangeiras são submetidas tende a se ajustar às necessidades e exigências da sociedade japonesa.
As crianças brasileiras que estudam em escolas japonesas pertencem a um outro universo cultural, o núcleo familiar, que na maioria dos casos é um ambiente cultural descontinuo em relação ao processo vivido no ambiente escolar, pois, a falta do domínio da língua japonesa por parte dos pais, dificulta a interação destes com os filhos, no que diz respeito a assuntos escolares, como, por exemplo, acompanhar e/ou estudar com os filhos.
E é essa “descontinuidade” entre ambiente familiar e o escolar que causa dificuldades no aprendizado, em especial, o aprendizado da língua local em nível mais elevado de proficiência, e consequentemente, dificuldade de adaptação no âmbito escolar e no aprendizado de outras disciplinas, pois, para isso, é preciso que o aluno domine a linguagem em nível escolar, não a linguagem informal apenas, a utilizada no bate-papo entre amigos, por exemplo.
Para compreendermos melhor a questão da “continuidade” e da “descontinuidade” entre ambiente familiar e o escolar, vou citar a psicóloga espanhola Isabel Sole – prestem atenção no que ela diz:
“Quando na escola a criança se depara com a linguagem escrita, em muitos casos se encontra diante de algo conhecido, sobre o que já aprendeu várias coisas. Parece-me que o fundamental é que o escrito transmite uma mensagem, uma informação, e que a leitura capacita para ter acesso a essa linguagem. Na aquisição deste conhecimento, as experiências de leitura da criança no seio da família desempenham uma função importantíssima. Para além da existência de um ambiente em que se promova o uso dos livros e da disposição dos pais a adquiri-los e a ler, o fato de lerem para seus filhos relatos e histórias e a conversa posterior em torno dos mesmos parecem ter uma influência decisiva no desenvolvimento posterior destes com a leitura.”
Prosseguindo… As crianças em escolas japonesas, por causa dessa “descontinuidade”, possuem dificuldades com a linguagem escolar, com o uso dos ideogramas japoneses (kanjis), gerando dificuldades de leitura, e como a leitura é condição prévia para o bom aproveitamento dos livros didáticos, a aprendizagem fica comprometida nas outras disciplinas também, comprometendo o desenvolvimento educacional pleno. Assim, fica difícil de acontecer o ‘sucesso educacional’ das crianças brasileiras. E numa sociedade que preza por Educação, como a sociedade japonesa, a tão sonhada “mudança na condição social”, requer, acima de tudo, sucesso educacional.
Para termos melhor compreensão desse ponto, vejamos a seguir, nas palavras da pesquisadora Elisa Sakurai, como a escolarização dos filhos é encarada pelos pais japoneses: “As crianças são pressionadas a ser bem-sucedidas na escola também pelos pais. Entre os argumentos ainda utilizados nas casas está o de que o filho deve sair-se bem para honrar o nome da família e dos ancestrais. Pais que fazem questão de sucesso acadêmico dos filhos sacrificam-se e trabalham duro para promover não só os estudos dos jovens, mas também os momentos de lazer para que os garotos, mais descontraídos, saiam-se bem nas provas.”
Então, sendo o sucesso na escola, algo que faz parte da cultura japonesa, e integração significa, entre outras coisas, adaptação à cultura de uma sociedade, podemos concluir que as crianças brasileiras que apresentam dificuldades de aprendizagem, independente se são “bem comportadas”, apresentam também problemas de integração e adaptação no contexto escolar, e consequentemente, na exigente sociedade japonesa.
Além da dificuldade de aquisição da linguagem escolar e da pressão por integração à cultura escolar, outro problema que as crianças enfrentam é a chamada ‘ruptura emocional’ quando chegam na adolescência. Ou seja, por não ter um acompanhamento adequado por parte dos pais, por não dominarem a linguagem para estudar com os filhos em casa, o desenvolvimento escolar da criança fica comprometido. Por outro lado, a criança, na convivência com colegas japoneses, acaba ganhando mais confiança para conversar em japonês, e muitas vezes, somente em japonês. Daí, quando a criança atinge a adolescência, a diferença de linguagem com os pais leva a uma ruptura emocional, e dessa forma, a criança acabe sendo excluída da cultura da família e também da cultura escolar. Não é raro os casos de filhos que não conseguem entrar ou concluir o ensino médio (Koko) e também não mantém diálogo com os pais por causa do idioma.
Diante desse quadro, é preciso uma conscientização dos pais, professores, escolas, comunidade, consulados, embaixada, governo japonês, enfim, de todos, ou teremos a mera reprodução da atual condição social dos brasileiros no Japão, ainda que nossas crianças frequentem o sistema educacional japonês desde o hoikuen (creche)!
É importante também que os pais busquem meios para alfabetizar os filhos na língua portuguesa o quanto antes (a partir dos 5 anos); e em casa, fazer leitura diariamente para as crianças. É comprovado que a criança que adquire gosto pela leitura desde pequena adquire mais segurança e confiança na aquisição e compreensão de uma segunda língua. E isto pode contribuir para suprir a carência da criança em relação às dificuldades que os pais têm para acompanhá-las.
Outra coisa interessante, seria se os pais conseguissem as traduções das matérias e temas das disciplinas abordadas na escola para ser estudadas em casa, fazendo o acompanhamento em português do conteúdo escolar. Seria uma forma de “ensino bilíngue”, ainda que informal. Matemática (Sansu), Ciências (Rika), Estudos Sociais (Shakai), por exemplo, mesmo com pequenas diferenças metodológicas, podem perfeitamente ser abordadas em casa, em português mesmo. O importante é levar a criança à refletir sobre o que foi abordado em sala de aula.
Finalizando… será que queremos a mera reprodução da condição de trabalhadores temporários na vida dos nossos filhos ou queremos que eles subam patamares na vida, alcançando condições melhores do que a da nossa geração? O que fazer mais para ajudar nossas crianças na escola japonesa?
Eis o dilema da nossa comunidade!
By Espaço Comunidade & Connexion.tokyo Team
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Connexion.tokyo Team