Este mês completo 51 anos e ganhei um presente inesquecível.
Trabalho há 17 anos na mesma empresa, posso dizer com orgulho que nunca atrasei nem faltei ao trabalho.
Nestes 17 anos nunca neguei uma hora extra tampouco trabalho aos sábados. Lembro que pedi com antecedência para faltar por 4/5 vezes para resolver problemas no consulado e quando fui sorteado para entrar num Danchi.
Neste período de 17 anos sempre no mesmo serviço e os chefes japoneses sempre elogiaram minhas atitudes e diziam que eu trabalhava mais que um “shain”.
Tive a ilusão de dizer a parentes e amigos que trabalhava numa grande montadora “M” japonesa. Por 17 anos usei o uniforme completo da montadora, trabalhei 17 anos dentro da empresa mas a verdade é que nunca fui empregado da grande montadora “M” japonesa.
No meu FB eu cheguei a colocar inocentemente como empresa onde trabalhava o nome da montadora ”M” japonesa. Confesso que alguns amigos e parentes no Brasil sempre me perguntavam como era trabalhar numa empresa japonesa.
Eu na inocência dizia que era bom, achava que realmente fazia parte da empresa.
Pois bem, antes de completar 51 anos o meu “tantousha” avisou que o meu contrato de 90 dias iria ser finalizado e não mais renovado pela grande montadora.
Ele disse que o motivo era que a produção da empresa irá baixar nos próximos meses e a partir de janeira haverá mais demissões.
Em contra partida estão treinando um japonês de 26 anos da mesma empreiteira para fazer o serviço que eu executei por mais de 17 anos.
Fui conversar com meu chefe japonês e ele disse que infelizmente a empresa vai baixar a produção e me disse que apesar de ter trabalhado igual a um “Shain” nunca fui empregado da montadora, eu era um terceirizado.
Ele me disse que sentia muito e que ia torcer para que eu arrumasse outro emprego e era para eu sempre me esforçar.
Meu “tantousha” me disse em off (a apesar de ser “tantousha” eu o respeito muito porque sempre jogou aberto comigo ou quase sempre) que a minha idade seria um ponto negativo de agora em diante.
A empreiteira esta intermediando um serviço de num bentoya onde ela tem alguns funcionários com salário de 1000 a 1050 ienes a hora. Meu ultimo salário por hora era de 1380 ienes.
Nestes 22 anos de Japão, demorou para perceber que somos apenas peças de reposição e somos descartáveis como lata de refrigerante. Podemos ser importante na linha linha de producao, podemos bater todas as metas e até entrar para o Guiness Book como o maior fazer de peça por minuto mas, mesmo assim somos descartáveis.
17 anos de serviço, sem nenhuma indemnização, 17 anos de serviço ganhando como um diarista e sem nenhum beneficio. Eu aceitei tudo isto, eu aceitei e não posso reclamar. Estou apenas refletindo e pensando o quanto fui inocente de achar que conseguiria fazer qualquer serviço no Japão tendo mais de 50 anos.
Esta é a vida da maioria dos dekasseguis, somos diarista no Japão. Temos visto de trabalho, pagamos todos os impostos e obrigações que o governo exige e somos limitados a ter os mesmos direitos trabalhistas apesar de trabalharmos mais que muitos japoneses.
Reconheço que tem muitos japoneses trabalhadores também, somente nao entendo porque a lei protege os “shains” e nao protege os empregados que trabalham sobre o mesmo teto, no mesmo serviço na mesma empresa.
Somos ligados diretamente a produção da empresa, somos peças importantes para o lucro das empresas e estas usam nossa mão de obra na certeza de conseguir suas metas e lucros. Porque os trabalhadores diarista, terceirizados nao podem continuar na empresa tendo mais de 50 anos?
Nao adianta aparecer os “baba ovo” de japonês e dizer que: Não esta contente volta, os baba ovos também avo ter 50 anos um dia.
Nao estou aqui lamentando pelos estrangeiros, estou pensando em todos os funcionários japoneses que trabalham por “hakengaisha”, todos peças de reposição.
O mesmo com mulheres que engravidam. Elas recebem o comunicado que a empresa vai ter queda na produção e no outro dia colocam outro no lugar somente porque elas engravidaram. Bem a lei do “utilitarismo” se pode dar problema, melhor desligar a pessoa do que dar chance dela mostrar competência.
Sempre pensei no futuro e consegui guardar um pouco de dinheiro, comprei 2 imóveis no Brasil pagando financiamentos pessoais e quitando mais rápido do que pensei.
Cheguei a pedir um financiamento de casa no Japão mas, parei o processo de compra porque avaliei custo beneficio, valor pago e valor do imóvel no final do financiamento e achei melhor pagar aluguel barato num Danchi a ter que compromissada a renda e tempo de vida dedicados aos financiamentos de 35 anos.
Pensei como seria pagar o financiamento depois de 50 anos de idade e vejo que nao errei na escolha para nao deixar dividas aos filhos e contar que eles teriam que me ajudar para ter alguma “herança” furada aqui no Japao. Furada porque o imóvel desvaloriza e os filhos ainda tem que desembolsar mais de 2 milhões para fazer a papelada de “herança”
Aos 51 anos de idade ganhei de presente minha demissão. Confesso que fiquei surpreso por achar que a empresa precisava da minha experiência, que gostava do meu serviço e porque nunca faltei ou neguei serviço era um diferencial sobre aqueles que faltam, matam serviço ou chegam atrasados. Eu tive a certeza eu este pessoal é que está certo.
No Japão não temos que ser o melhor funcionários, temos que apenas fazer o que nos pede sem dedicar mais porque não seremos recompensados, somos diaristas esta é a realidade dos dekasseguis no Japão. Diaristas levados pela maré.
Tem muitos dekasseguis com contratos diretos, meu cunhado a exemplo tem um contrato direto com uma empresa media, confesso que eu ganhava mais que ele mesmo somando o bônus que ele recebe. A única vantagem é a proteção de tempo de casa.
Posso parecer um maluco mas, pensei em respeito aos direitos trabalhista e ter um bom salário no Japao era ao menos normal. Quando se fala de Japão, pensamos um país melhor do que o Brasil, um país de primeiro mundo. Temos o visto de trabalho, muitos tem visto permanentes mas acabam sendo apenas mais um agradecido ao Japão pela chance de estar aqui.
Nao existe este de agradecer, pagamos todos os impostos, cumprimos todas as obrigações e estamos num país de primeiro mundo, temos que ser cidadãos de primeiro mundo e não apenas uns roceiros agradecidos. Pagamos e pagamos muito para estar no Japão. Porque ninguém pensa nisto? Japão não é China ou Brasil e nem os dekasseguis são roceiros não.
Somos pessoas que trabalham e ajudam as empresa a ter lucros, ajudam as empresas a bancar todos os funcionários, somos peças importantes da engrenagem do Japão. Pagamos todos nossos impostos e não desfrutamos dos mesmos benefícios. O Japão não cumpre sua parte em promover a igualdade a todos.
As vezes entendo, vejo os japoneses como escravos brancos, morrendo pela empresa, não tem folgas, perdem amigos, não conseguem ter suas próprias vidas porque dedicam a maioria do tempo a empresa assim como eu fiz nos 17 anos. Um diarista, um simples diarista.
A realidade é que para nós dekasseguis, os serviços de fabricas podem ser executados por qualquer um que treine 2 dias ou 5 dias. Não existe serviço difícil quando se trabalha em fabrica. Eu começo a rir quando vem aquele conterrâneo xarope em dizer que kakaricho prefere ele, que o Hancho é lento e que ele trabalhar melhor que os chefes…. eu era um deste sem noção também… um grande estúpido…
Fica a mensagem para que os amigos que estão chegando aos 50 anos: Fiquem preparados para serem cotados do dia para noite apenas porque os superiores das empresas japonesas veem os funcionários pelas fichas e idade e não pelo trabalho.
Nao deixem de pagar aposentadoria no Brasil. Nao pensem que teremos o Seikatsu Hogo se precisar completar a renda. Logo este beneficio será cortado no meu ponto de vista. Antes era vergonhoso pedir o beneficio, hoje é um bom meio de vida que os japoneses encontraram para ter uma vida mais tranquila.
Façam uma pequena poupança e invistam em algo que você possa ser recompensado pelo risco de fazer o dinheiro trabalhar a nosso favor.
Trabalhar no Japão é apenas para juntar um pouco de dinheiro abrindo mão de muita coisa. Não esqueçam amigos e parentes no Brasil. O retorno para quem tem mais de 50 anos é algo inevitável.
Aquele asilo que iam fazer em Gunma para brasileiro? Poxa! Quem quer morar num asilo e ser um peso morto a população?
Viver no Japão com mais de 50 anos é muito complicado. Entrar e pedir ajuda para o governo japonês a fim de equilibrar a renda mínima por mês? Prefiro voltar ao Brasil a fazer parte das pessoas não produtivas no Japão.
No Brasil corro o risco de ganhar um “bala perdida na cabeça”, ou “morrer na fila dos hospitais” apesar de nunca ter conhecido nenhum amigo nestas condições.
Ainda no Brasil corro o risco de estudar e entrar num concurso publico ou ainda de ficar rico fazendo algum trabalho informal. Já aqui no Japão, com mais de 50 anos ou bentoya ou entrar na fila da espera de um quarto no Asilo de brasileiros….
Será que surtei ou esta é a realidade dos brasileiros com mais de 50 anos? Ficamos mais velhos e vamos ganhando menos e desistimos de lutar por uma vida melhor? Qual o melhor caminho para o brasileiros com mais de 50 anos?
R.I. 51 anos, Aichi-ken.
By Connexion.tokyo Team