Antes de mais nada, é preciso que me apresente.
Sou Professor em uma escola brasileira na Província de Shiga, a Nihon Latino Gakuin, um colégio bem estruturado, mesmo nesta época de crise e que funciona num prédio de uma antiga escola japonesa, dotado de todos os equipamentos necessários a se ministrar os conhecimentos necessários à boa formação de nossas crianças brasileiras.
Leciono Matemática e Física para o 3° ano do Ensino Médio.
Este texto tem a intenção de demonstrar a preocupação que nós, educadores, temos com relação à educação dos brasileirinhos que vivem no Japão.
Para ilustrar onde pretendo chegar, relato um caso que, a princípio pode parecer não típico, mas que a cada dia constato que é mais comum do que parece.
Há três anos atrás acolhemos em nossa escola um menino de 12 ou 13 anos, vindo de escola japonesa, o shougakko, Ensino Fundamental I.
Hiro (vou usar aqui um nome fictício) não sabia falar Português. Nada.
Os pais não se preocuparam em ensinar-lhe a língua pois pretendiam seguir morando no Japão. Conversavam em japonês em casa.
Com os salários diminuindo e o custo de vida aumentando, mudaram de ideia e decidiram programar sua volta para o Brasil.
Precisavam então que Hiro aprendesse rapidamente a Língua Portuguesa.
O menino teve que ser matriculado no 1° ano para ser alfabetizado.
Os professores não pouparam esforços para ajudá-lo e até eu, que trabalho com os maiores, fui convocado a dar aula de reforço a ele num sábado, uma vez que tenho algum conhecimento de Japonês, o que poderia facilitar nossa comunicação.
Para isso, muni-me de um livro bilingue, Japonês-Português de estórias infantis japonesas. Muito fácil de ler.
Comecei a ler a primeira estorinha, pedindo para que ele lesse a versão em Japonês.
Para meu espanto, Hiro não conseguia ler os kanjis mais primários. Isso impedia que ele conseguisse interpretar sequer o primeiro parágrafo.
O menino ficou só mais algumas semanas no colégio. Voltou para o Brasil assim mesmo, sem saber Português e com um Japonês oral rudimentar.
Fico muito angustiado sobre seu futuro.
Bem, após esta ilustração, exponho aqui minha preocupação com as crianças brasileiras no Japão.
Todo ano em nosso colégio recebemos meninos e meninas que, tendo terminado o Chuugakko, Ensino Fundamental II, gratuito, vêm à nossa escola para cursar o Ensino Médio por não conseguirem ou não se sentirem aptos a passar no exame para o Koukou, Ensino Médio japonês.
Daí, sentimos todos, professores e alunos, a dificuldade no prosseguimento do aprendizado.
Pela enorme dificuldade com a Língua Portuguesa, cujo ensino foi ”negligenciado” (coloco aspas pois em muitos casos pode não ter havido alternativa), eles não aprendem Português e, pior, não conseguem compreender os conteúdos de outras matérias, por mais que procuremos usar sinônimos, simplificar a linguagem e usar vídeos.
Particularmente, fico numa situação bastante difícil quando percebo que esses alunos não conseguem responder às questões de Física ou Matemática, não porque sejam incapazes intectualmente, mas por não entenderem os enunciados dessas questões.
O resultado imediato disso é a baixa estima, o desalento e a tristeza estampada em seus rostos.
Alguns param de estudar, simplesmente e deixam a escola, indo para as fábricas.
Talvez um talento desperdiçado…
A indecisão sobre permanecer no Japão ou voltar para o Brasil também é fator determinante para o fato desses meninos não saberem bem nem o Português nem o Japonês.
Óbvio que, nestes tempos de crise, fica difícil tomar uma decisão definitiva.
Mas por outro lado, a educação de um filho bilingue, ou mesmo trilingue, se entrar, por exemplo o Inglês nessa lista, pode ser bastante interessante, mas muitos pais não se apercebem disso. Uma pessoa formada nessas condições pode disputar com vantagem o mercado de trabalho, seja no Japão ou no Brasil.
Conheci um caso de um jovem trilingue que voltou ao Brasil, ingressou na Sony e mais tarde foi transferido para os Estados Unidos, onde está até hoje.
Mas para ser bilingue, a criança teria que ser matriculada numa escola brasileira e fazer um curso de Japonês ou ingressar numa escola japonesa e receber reforço de Português através dos pais ou de professores particulares. E ter muito incentivo.
Haverá quem questione a qualidade dos professores brasileiros no Japão. Sobre isso, só posso atestar a qualidade dos que lecionam na nossa escola, sem querer propagandear, pois não é o objeto deste texto.
Muitos pais alegam que as mensalidades das escolas brasileiras são caras, mas se compararmos com colégios particulares brasileiros, veremos que na verdade elas são baratas, além de fornecerem alimentação e transporte inclusos.
O motivo para os pais optarem por escolas japonesas nem sempre é o custo das brasileiras.
Se a preocupação é se livrar das mensalidades para economizar, certamente é uma contradição ”sacrificar” a educação de um filho, enquanto se gasta a rodo com roupas de marca e se desfila em carros caros. E isso vemos aos montes.
Os inúmeros dekasseguis japoneses que emigraram para o Brasil, assim que perceberam a impossibilidade de retornar ao Japão com muito dinheiro, objetivo inicial, ou quando conseguiram alcançar um padrão mínimo que lhes permitissem educar um filho, o fizeram por considerar que mais importante que eles mesmos, era sua descendência.
Gostaria que esse mesmo espírito prevalecesse com relação aos dekasseguis brasileiros.
Afinal, o que deixamos para este mundo são nossos filhos e para eles temos a obrigação de oferecer o melhor.
Fernando Castilho, professor.
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