“Brasileira em apuros no Japão por 430 ienes.”

“Todos os dias eu retorno do trabalho no mesmo horário, próximo. Tenho a mesma rotina de quase 5 anos. Pego o metro numa grande cidade que coincide com ultimo horário de ônibus da minha pequena cidade. Da estação ultima estacão de trem até minha casa são exatos 1 hora e 25 minutos de caminhada. 

Como todos sabem, no Japão quem não tem carro e não vive nos grandes centros tem um grande problema de locomoção porque os transportes para a população são precários em horários no caso de ônibus e os trens que abrangem somente uma pequena parte das cidades do interior. 

Pego o mesmo trem, encontro as mesmas pessoas na entrada da roleta e nas plataforma de embarque.

Os funcionários da estação são sempre 3 que fazem revezamentos e tive a oportunidade de conversar com todos ao encontrar vários objetos pequenos na estação ou dentro do trem como: luvas, sombrinhas de mulher, cartão de trem, ticket de trem e por duas vezes carteiras com documentos pessoais e talvez dinheiro porque nunca abri as carteiras antes de entrega-las aos funcionários na estacão. 

Apenas 2 dos transeuntes me cumprimentam apesar de sempre dizer boa noite a todos com uma voz tímida mas, os comprimento. Todos os dias pegando o mesmo trem, na mesma plataformas ainda existem uma grande barreira entre se conhecer e ser conhecido.

Ontem retornando do trabalho, eu perdi a minha carteira – (na verdade uma pequena “necessarie”) que coloco os documentos e o iPhone 4S que possuo. Ou a esqueci em algum lugar, até agora não tive o retorno da mesma. 

Hoje cheguei um pouco mais cedo do trivial , talvez uns 15 minutos e ao tentar entrar com o cartão eletrônico percebi que não estava com a carteira. 

Eu procurei em toda minha bolsa e nada. Fiquei triste e preocupada porque no Japão sem dinheiro não se faz nada, absolutamente nada.  Sem carteira e sem agenda telefônica para ligar para uma amigo ou minha família.

Eu tentei falar com o funcionário da estação que tinha perdido ou esquecido minha carteira. Como todos os dias sempre pego o mesmo trem e até falei com ele as vezes que encontrei objetos, perguntei se poderia retornar para casa, descer na estacão e enviar o dinheiro no dia seguinte.

Ele simplesmente me disse: sem dinheiro não entra e me fez um sinal de X com as mãos. A resposta dele foi muito fria e me tratou como se fosse uma pessoa que queria entrar no trem sem pagar por isto. Em nenhum momento ele se preocupou em entender que estava em problemas.

Confesso que fiquei chateada, não sou uma estranha que apareceu na estação a primeira vez como já disse. 

Minha esperança era tentar falar com algum cidadão japonês que pega o mesmo trem, explicar a situação que estava passando e mesmo morrendo de vergonha pedir emprestado o valor de 430 ienes para pagar no próximo dia. 

Para minha surpresa eu abordei 7 pessoas, 4 homens e 3 mulheres. A resposta foi a mesma: 5 “gomennasai dekimasen” e 2 “dekimasen”. 

Imaginem minha cara de decepção. Como as pessoas não se ajudam mesmo se vendo todos os dias?! Por que esta frieza toda?! 

Diante de minha frustração e tristeza devo ter ficado com uma cara de cachorro perdido, sem colocar as idéias em ordem e pensar que poderia ir num posto policial e pedir dinheiro emprestado, eles anotariam meus dados, endereço e emprego, verificariam minha rota de retorno e a quantidade de dinheiro para pegar o trem. E se não devolver imaginem o problema que a pessoa vai arrumar…

Neste momento alguns irão pensar: Estrangeiros no Japão passam por isto mesmo. Talvez os traços fortes de mestiço, o cabelo mais crespo, a pele mais escura ou mesmo um estrangeiro caucasiano com trejeitos de gringo descolado querendo passar por “bacaninha” os japoneses tem medo porque não sabem falar inglês ou outro idioma. 

Ou ainda tem aqueles que irão pensar: problemas de comunicação, não domínio do idioma etc. 

Tudo isto apenas achismo. Eu sou brasileira de terceira geração com pais “nikkeys” que são mais japoneses que os japoneses que trabalho.

Meus traços são de todos de japonesa e tirei a nacionalidade japonesa aos 21 anos para poder entrar numa empresa que contrata somente nacionais.

Os meus professores na universidade disseram que seria melhor ter a nacionalidade japonesa para ter mais chances de concorrer no mercado japonesa. Existem um grande numero de empresas que empregam somente japoneses em seu quadro de funcionários e as entrevista são encaminhadas pelos professores de acordo com a nacionalidade dos alunos e não com a opção dos alunos em escolher a empresa que desejam trabalhar e sim as que aceitam estrangeiros e japoneses.

Trabalho em uma pequena empresa japonesa no escritório. Quando digo que sou brasileira os japoneses se assustam e pensam que estou mentindo. 

Continuando…

Com a minha cara de cachorro perdida e quase sem chão pela reação de negação das pessoas, para minha surpresa fui abordada por uma chinesa que me perguntou em japonês: “daijoubu desu ka ?” .

Neste momento eu fiquei pasma com a pergunta, uma pessoa que nunca vi me perguntando se eu tinha algum problema. Eu lhe disse que havia perdido minha carteira e estava sem poder voltar para a casa esperando pensar em algo antes do ultimo trem.

A chinesa na mesma hora me disse que compraria meu ticket e para mim não se preocupar. 

Ela me disse que me viu varias vezes porque mora próximo a minha estacão. Sempre desce na estação antes de mim – eu desço na ultima estacão -. Em 3 anos e meio que ela esta morando neste endereço tinha me visto algumas vezes e eu nunca a tinha notado. 

Bom resolvi escrever este acontecimento por que eu realmente me assustei com a reação doa japoneses. Me assustei com a reação de pessoas que achava que poderia contar por encontra-las todos os dias no retorno do trabalho.

Hoje consigo entender o por que neste país as pessoas não são solitárias, vivem sozinhas em minúsculos apartamentos e não tem muitos amigos para compartilhar momentos felizes. 

Hoje entendo por que um amigo de trabalho que comprou um carro Porsche novo sempre anda sozinho e somente se confraterniza nas reuniões pós trabalho e vive sozinho e sem amigos. 

Os japoneses na faixa de 27 anos não tem vida social nem com amigos nem com parentes.

Até os 23, 25 anos os contatos com colega de escola e faculdade ainda é possível depois as pessoas se trancam em seu universo não querem ser incomodadas e nem se preocupam com as pessoas a sua volta. 

Quantas vezes vamos a um mesmo “Konbini” a um mesmo supermercado e funcionários simplesmente usam os manuais de atendimento como se fossem robôs programados para repetir as mesmas frases ignorando que todos os dias estamos por lá.

Eu não sei como funciona em outros países mas, pela reação de uma chinesa em perceber que estava com problemas somente pela minha cara de tristeza naquele momento me ofereceu ajuda e teve a sensibilidade de encontrar uma pessoa com problemas somente pelo semblante.

Imagino que em muitos outros países as coisas são diferentes, as pessoas mais humanas, mais atenciosas com o coração e não preocupadas com os manuais. 

Estive nos Estados Unidos por 3 meses para intercâmbio e lembro muito bem de ir a um supermercado e o atendente de caixa me dizer que a bolacha que havia escolhido era muito gostosa e ela sempre comprava também. Isto nunca me aconteceu no Japão, um funcionário expressando sua opinião sobre um produto e tentando ser gentil com um cliente.

O que encontro no Japão são pessoas agindo como robôs, repetindo as mesmas frases e fazendo os mesmos gestos como se os clientes fossem meros estranhos. Tudo conforme o manual de procedimentos determina. Tudo muito formal, robotizado e sem sentimentos de amizades.

Até aqui tudo bem, ninguém se importa porque nunca viveram nos Estados Unidos ou em países onde a comunicação entre clientes e staffs tem maior importância do que o nome da empresa.

Eu estudei na universidade japonesa e aprendi que os manuais devem ser seguidos sem se preocupar com procedimentos diferentes do trivial.

Quando existe um problema diferente da rotina, mesmo que fácil de resolver os empregados devem procurar seus superiores e esperar ate que eles encontrem a melhor maneira de resolver.  Esperar 2 ou 3 chefes verificarem o acontecimento e tomarem providencias a respeito.

Hoje é fácil entender ver 5 ou até 8 japoneses pensando em fazer uma tarefa simples porém, diferente do cotidiano da empresa. 

Fica mais fácil entender e ver as pessoas todos os dias e ninguém se cumprimentando, ninguém pagando um café ou um suco para os amigos. A questão é que  não existem amigos. 

Os japoneses se sentem incomodados por qualquer coisa que fogem do trivial como já presenciei uma mãe com um filho pequeno entrando no trem em horário de pico de retorno do trabalho das pessoas e muitos se sentindo incomodados pelo baby car, sentindo-se incomodados pelo choro da criança e dizendo que mães devem ocupar os trens nos horários destinados a elas. 

Não existe lei ou regulamento que diz explicitamente sobre isto mas, existem manuais sobre isto que também aprendemos nas escola. 

Com tudo isto ainda não entendo o porque um mãe que pega um trem no horário de pico tem que desculpar tanto, quase se humilhar publicamente pelo choro de uma criança como se a criança tivesse cometido um crime por ser criança ? Hoje entendo porque ninguém defende uma mãe que passa por isto, entendo que ela quebrou uma regra e tem que ser punida com bronca por estar errada em não se adequar a seu horário de uso dos trens.

É fácil encontrar um japonês que se irrita com um caminhão de
mudança – principalmente agora no mês de março e abril onde os japoneses mais trocam de endereço – ou empresas de entrega que estacionam na frente de sua casa somente para fazer um serviço rápido. Eles se estressam como  nunca fossem precisar de um serviço, como se nunca fossem mudar ou tivessem alguém da família que passasse pela mesma situação. 

É fácil encontrar um japonês no transito que não dá espaço a outro carro mesmo que lhe facilite o melhor acesso a seu destino caso a preferencia seja dele. 

É fácil encontrar japoneses bravos com atendentes por erros simples ou por que alguns esquecem de usar as palavras dos manuais. Tudo ao estilo de vida da Era Feudal de 1600 e se sentindo como fossem os donos de Castelos. 

A sociedade japonesa age como se todos fossem perfeitos e como nunca irão cometer um erro ou precisar de ajuda. 

Eu sempre não entendi porque muitos idosos não querem ser ajudados, muitas pessoas recusam gentilezas de pessoas estranhas. Existe o medo, o receio em encontrar pessoas que fazem o bem simplesmente por que a sociedade japonesa não consegue fazer o bem espontaneamente.

A grande maioria dos japoneses se preocupam somente consigo e seu espaço, por isto respeitam as regras para não serem incomodados. 

Eu acho que acabei virando uma japonesa em muitos aspectos. Não encontro meus amigos de escolas nem faculdade. Não tenho tempo de reunir com eles e eles comigo devido aos horários de trabalho. Ou trabalhamos 12 horas por dia ou não conseguimos viver melhor. 

As empresas não nos deixam a opção de escolher pelas horas extras, elas simplesmente nos comunicam que haverá horas extras e somente saímos quando os chefes saem.

Não existe respeito a sexta feira ou finais de semanas ou compromissos familiares se a empresa tiver que cumprir prazos de entrega.

Não existe respeito aos pais para que eles voltem mais rápido para suas casas e façam pelo menos a refeição da noite com os filhos. Tudo é feito para que a empresa seja atendida e tenha seu cronograma cumprido.

Me considero parecida com os japoneses porque não conheço meus parentes diretos como primos e tios e ocasionalmente falo com minha avó que vive no Brasil pelo telefone. Não sinto falta disto porque todos os amigos japoneses eram assim e são assim, afastados de suas famílias.

Muitos amigos japoneses saem de suas cidades do interior porque não tem empregos e hoje ocasionalmente visitam seus pais 1 vez por ano ou ligam a cada 2 anos para seus pais. 

Isto me faz lembrar que não falo com a minha avó por mais de 6 meses. Tudo pelo esquecimento ou excesso de trabalho como uma boa desculpa, será?

Colegas de serviço  que se reúnem para falar de trabalho e trabalho como serviço fosse o único hobbies que eles possuem. As reuniões de happy hour depois do trabalho são para falar de trabalho. Todas as confraternizações são para falar de trabalho. Ganhamos por isto? Claro que não, pagamos ainda a conta proporcional ao rateio mesmo tendo comido e bebido a metade daquele amigo mais grande que come por 2 e aqueles que bebem por 4. Seria isto justo ou uma regra que ninguém quebra?

O que passei me serviu para refletir que: 

Eu penso em me casar mas, não quero viver num país onde meus filhos seguirão os manuais como eu sigo inconscientemente. 

Será que consigo casar num país onde se vive para trabalhar e não se trabalha para viver?

Seria eu capaz de identificar uma pessoa que está passando por um problema somente pelo semblante ou a ignoraria como muitos fizeram?

Teria a sensibilidade de ajudar alguém abordando a pessoa para oferecer ajuda? Se me pedissem ajuda eu faria tudo que fosse possível mas, até ai perceber o que passa com as pessoas a minha volta vou ficar atenta de agora em diante.

Onde seria melhor viver?
 
Eu tenho um amigo de faculdade, ele é japonês e foi trabalhar no México em na Cidade do México, uma das mais violentas do mundo mas ele esta feliz como se vivesse na tranquilidade de uma ilha isolada no Japão, espero contar sobre ele no próximo email.

Seria o Brasil um país de pessoas que seguem os manuais e não se importam com as pessoas a sua volta ou seriam os brasileiros solitários como os chineses ? Existem os respeito aos direitos trabalhistas ou as pessoas também são exploradas e não pagas pelo seu salário?

Abraço a todos da pagina e obrigado por me ouvir.” – SIC – K.A – 28 anos –

Connexion.tokyo Team